domingo, 15 de novembro de 2009

A tela que ainda pinto


Ainda olho quando acordo, pela mesma janela

Ainda sinto de olhos fechados enquanto pinto esta tela

Ainda cheiro a policromia , entre pincéis e aguarelas

Ainda ouço quem me sussurra, as palavras mais belas

Ainda provo que há provas, que já tive o que não tenho

Ainda acredito que mantenho, pedaços de onde venho

Ainda me orgulho, de todas as folhas que risquei

Ainda sei as historias, de todas as personagens que criei

Ainda hoje me emociono, cada vez que penso nisso

Ainda me vês inventar sorrisos, para não deixar vestígios

Ainda me iludo demasiado, em truques de magia

Ainda faço malabarismo, para ser magico um dia

Ainda desprezo a batida e admiro a melodia

Ainda sou o reflexo da influencia, de quem me influencia

Ainda sinto a falta, de quem nunca esteve comigo

Ainda sei que sabes, que não deixo de estar contigo

Ainda temo a faca que toda a gente trás na meia

Ainda sinto saudade da diferença de sexta-feira

Ainda desenho sentimentos, nos sítios mais estranhos

Ainda sou ovelha branca, que não caminha em rebanhos

Ainda me movo por algo, que nem sequer existe

Ainda sonho criar alguém, como nunca antes viste

Ainda sou a vela, que acendes por esperança

Ainda estou na foto, que guardaste por lembrança

Ainda abraço o mesmo mar, ainda amo a mesma lua

Ainda conto segredos aos paralelos da minha rua

Ainda me afasto da futilidade, traição e mentira

Ainda sou especial como alguém disse que seria

Ainda falo comigo mesmo e gozo com os outros

Ainda olho para trás e na realidade vejo poucos

Ainda sinto ao meu lado, quem la sempre esteve

Ainda digo Obrigado, a quem por la se manteve

Ainda demoro a chegar, mas apareço entretanto

Ainda entre tantos, vou abrindo bocas de espanto

Ainda faço de cada nuvem, o meu melhor hotel

Ainda admiro e aplaudo, quem se mantém fiel

Ainda tenho milhões de palavras agarradas à pele

Ainda se recusam a sair até estarem no papel

Ainda não me seduz, o estilo pita de bordel

Ainda as vejo como crianças, de carrocel em carrocel

Ainda tenho um posto, composto por factos

Ainda não dispenso a flecha, encostada ao arco

Ainda escrevo demasiado, em vez de berrar que existo

Ainda tenho folhas que dizem que sou especialista nisto

Ainda me apresento por cá, com um novo manifesto

Ainda manifesto a vontade de me destacar do resto

Ainda não é arrogância, são composições genuínas

Ainda não é prepotência, são desabafos entre paginas

Ainda estou aqui, crava-me o indicador no peito

Ainda te faço entrar em transe perante o que sou feito
Ainda estou inalterado como o resto duma esfinge

Ainda sou ave rara, que a época de caça não extingue

Ainda guardo em mim, informação via satélite

Ainda invisível a muitos, como rotação de hélice

Ainda procuro alguém, no meio de tantas musas

Ainda desperto desejo, entre massas confusas

Ainda hoje não me deito, sobre meras desculpas

Ainda provoco reacções como toque de mil medusas

Ainda destruo defesas, com a ousadia do tétano

Ainda rasgo oceanos, com a mesma solidez de ébano

Ainda te faço falta ?! então abre-me e rouba-o

Ainda não és capaz ?! então tem cuidado e pousa-o

Ainda sem motivos para confetis, vivo com sede

Ainda me embebedo em sonhos de trapézio sem rede

Ainda dei tudo por nada, sobrou o inexistente

Ainda falo com a alma, entre beijos d'olhar diferente

Ainda continuo transparente, talvez em excesso

Ainda busco o sentimento que vire tudo do avesso

Ainda há voltas em perspectiva mas não muda o que peço

Ainda quero que esteja limpa a mão que lhe embale o berço

2 comentários:

  1. Este poema está simplesmente fantástico. Gosto da maneira como enlaças as rimas, como intercalas os versos, como nos envolves numa melodia de palavras e silêncio, e nos transportas para outra dimensão, para o teu próprio mundo.

    Parabéns :)

    Rita f.

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